As letras saltam, brincando e sorrindo.
Rodopiam, formando palavras
Que só as crianças entendem.
Por vezes tornam-se sérias
E acontece uma notícia,
Mas logo se desfazem os grupos,
E uma canção infantil se ouve ao longe.
Bom barqueiro…bom barqueiro…
Perdemos a magia
De entendermos as palavras.
Esquecemos a ternura que
Aquece e ilumina.
Quero o silêncio
das coisas simples.
Tu não precisas das palavras,
Mas olhas para mim e eu entendo.
Do silêncio do teu olhar,
Do olhar do teu silêncio,
Nada há a dizer,
Apenas que amanhã
Se ouvirá a mesma canção,
Agora bem mais perto.
Bom barqueiro, bom barqueiro…
Bom barqueiro
Constatativas ou performativas
FAZER E RECEBER declarações de amor é quase sempre agradável. O mesmo vale, aliás, para todos os sentimentos: mesmo quando dizemos a alguém, olhos nos olhos, "Eu odeio-te", o medo da brutalidade das nossas palavras não exclui uma forma selvagem de prazer.
De facto, há um prazer na própria intensidade dos sentimentos; por isso, desconfio um pouco das palavras com as quais os manifestamos. Tomando o exemplo do amor, nunca sei se a gente se declara apaixonado porque, de facto, ama ou, então, diz que está apaixonado pelo prazer de se apaixonar.
Simplificando, há duas grandes categorias de expressões: constatativas e performativas.
Se digo "Está a chover", a frase pode ser verdadeira se estamos num dia de chuva ou falsa se faz sol; de qualquer forma, mentindo ou não, é uma frase que descreve, constata um facto que não depende dela.
Se digo "Eu declaro a guerra", minha declaração será legítima se eu for imperador ou será um capricho da imaginação se eu for simples cidadão; de qualquer forma, capricho ou não, é uma frase que não constata, mas produz (ou quer produzir) um facto. Se eu tiver a autoridade necessária, a guerra estará declarada porque eu disse que declarei a guerra. Minha "performance" discursiva é o próprio acontecimento do qual se trata (a declaração de guerra).
Pois bem, nunca sei se as declarações de amor são constatativas ("Digo que amo porque constato que amo") ou performativas ("Acabo amando à força de dizer que amo"). E isso se aplica à maioria dos sentimentos.
Recentemente, uma jovem, por quem tenho estima e carinho, confiava-me sua dor pela separação que ela estava vivendo. Ao escutá-la, eu pensava que expressar seus sentimentos devia ser, para ela, um alívio, mas que, de uma certa forma, seria melhor se ela não falasse. Por quê?
Justamente, era como se a falta do namorado (de quem ela tinha se separado por várias e boas razões), a sensação de perda etc. fossem intensificadas por suas palavras, e talvez mais que intensificadas: produzidas.
É uma experiência comum: externamos nossos sentimentos para vivê-los mais intensamente -para encontrar as lágrimas que, sem isso, não jorrariam ou a alegria que talvez, sem isso, fosse menor. Nada contra: sou a favor da intensidade das experiências, mesmo das dolorosas. Mas há dois problemas.
O primeiro é que o entusiasmo com o qual expressamos nossos sentimentos pode simplificá-los. Ao declarar meu amor, por exemplo, esqueço conflitos e nuances. No entusiasmo do "amo-te", deixo de lado complementos incómodos ("Amo-te, assim como amo outras e outros" ou "Amo-te, aqui, agora, só sob este céu") e adversativas que atrapalhariam a declaração com o peso do passado ou a urgência de sonhos nos quais o amor que declaro não se enquadra.
O segundo problema é que nossa verborragia amorosa atropela o outro. A complexidade dos seus sentimentos perde-se na simplificação dos nossos, e a sua resposta ("Também te amo"), de repente, não vale mais nada ("Eu disse primeiro").
Por isso, no fundo, meu ideal de relação amorosa é silencioso, contido, pudico.
Você me ama em silêncio porque sou outro: uma aparição efémera, uma ave migrante.
Do blogue "Oriente-se"
O Diabo do meio-dia
O tédio moderno é uma forma de arrogância: a vida é chata porque nós seríamos maiores que sua suposta trivialidade insossa; tendemos a menosprezar o cenário onde nos toca viver, como se ele fosse demasiado banal para nossas façanhas. Pois bem, o segredo deve ser uma extraordinária humildade diante do que existe.
Do Blogue "Oriente-se"